É muito mais fácil encontrar foto de uma pessoa na internet, a fim de usar indevidamente, do que sua assinatura
Se com a exigência da assinatura já era grande os casos de empréstimo consignado fraudulento no país, imagine agora com a expansão de nova modalidade de empréstimo à distância apenas com a validação por fotografia do aposentado. Cada vez mais a celebração do empréstimo está sendo feita por ligação telefônica e uma singela selfie em substituição da tradicional assinatura. Da mesma forma que o desenho da assinatura era essencial para legitimar a vontade e, mesmo assim, se desvirtuava, a contratação via biometria facial não é prova inequívoca do desejo de contrair empréstimo.
A insegurança não é a biometria facial em si. Pelo contrário, cada ser humano tem traços faciais únicos que o distingue do outro. São mais de 80 pontos nodais que comporta uma face, a exemplo da distância entre os olhos, o comprimento do nariz, a curvatura dos lábios, as cicatrizes etc. Um narigudo, por exemplo, ao fazer a biometria facial terá a segurança de não ter seu nariz confundido com o de outro.
O problema consiste em saber se aquele narigudo autorizou assumir a dívida tal qual foi entabulado no contrato, considerando o montante do empréstimo, a taxa de juros, o parcelamento, o percentual da margem consignável, o refinanciamento etc. Não é incomum ser feito um ajuste verbal e no contrato rezar algo totalmente diverso. A exemplo do que ocorre nos contratos de empréstimos com assinatura, na biometria facial não será diferente. Afinal, são perenes os problemas de o brasileiro não lerem as letras miúdas do contrato, situação agravada principalmente quando o negócio é feito à distância por ligação telefônica, além do fato de o INSS não fazer controle rigoroso de cada empréstimo feito no Brasil.
Imagem mostra prédio espelhada com logo da Previdência Social
Fachada do prédio da Previdência Social em Brasília – Antonio Molina – 4.jan.22/Folhapress
Considerando a avalanche mensal de empréstimos em todo país, o INSS costuma adotar a lógica de priorizar intervir no caso quando se depara com um problema ou contestação de fraude. Sai mais barato para a autarquia resolver os casos pontuais do que analisar meticulosamente todos os empréstimos realizados nacionalmente.
O assunto também é polêmico pois tradicionalmente o Código Civil fixa que a assinatura, física ou digital, é elemento básico para a anuência ou a autorização necessária à validade de um ato, provando que determina pessoa assumiu uma obrigação. A novidade de usar a fotografia do aposentado no lugar da assinatura traz um apelo visual grande, pois, embora também seja possível editar e manipular fotografias a partir de redes sociais por exemplo, a imagem do cidadão gera convencimento de que realmente ele estava desejoso em se endividar.
Seja numa negociação presencial ou por telefone, a realização de autorretrato como forma de validar o empréstimo consignado é uma facilidade que pode ampliar as fraudes, como se não bastasse o contingente de ilicitudes da forma tradicional. É muito mais fácil você encontrar a imagem de uma pessoa estampada nas redes sociais ou na internet, a fim de usar indevidamente, do que a sua assinatura. Atentos a isso, multiplicam-se os casos de fraudes em contrato de empréstimo consignado usando a selfie como elemento central de discussão.
fonte Folha
Rômulo Saraiva
Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.
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