”Ora, se está rebelde, será que não é por que estão agindo de forma errada com ele?”, questiona geriatra
É crendice que ao envelhecer as pessoas ficam mais pacatas e fáceis de lidar, como geralmente é mostrado na TV, em que os idosos —principalmente os mais avançados— falam baixinho, não entram em embates e estão sempre abertos a ouvir e acatar opiniões alheias. Só que fora da ficção, a tendência é que, com o avançar da idade, os traços comportamentais se exacerbem e se alguém sempre foi rebelde e se colocou em risco, não fará o contrário agora no fim da vida.
Isso explica por que alguns idosos não se preocupam em, por exemplo, subir no telhado, dirigir com a carteira vencida, beber todas no bar e, sem consultar o médico, usar medicamentos que não deveriam. “Há quem age por malícia, inventa histórias e não é fácil lidar, pois se não se importam consigo mesmos, o que dirá com os outros?”, aponta Natan Chehter, geriatra da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e da BP – A Beneficência Portuguesa.
Mas vale lembrar que se o idoso mudou de comportamento radicalmente e em curto espaço de tempo isso pode indicar problemas psicológicos. Pode ser que ele esteja em processo demencial, com Alzheimer, ou algum outro tipo de patologia de ordem cognitiva que carece ser investigada, para que não se coloque em perigo e nem aos outros. Se for comprovado que suas faculdades mentais estão preservadas, o caso então não é médico, mas de conduta social.
A família tem o direito de interditar? Se o idoso não for tão mais vigoroso, ou estiver doente fisicamente, mas ainda assim é capaz de tomar decisões conscientes, ninguém tem o direito de decidir as coisas por ele e impedi-lo de fazer o que bem entende. Chehter explica que é uma situação comparável à de um jovem maior de idade que deixa os pais de cabelos em pé com suas transgressões. Mas ser dono de si não significa necessariamente não ter responsabilidades, ainda mais se depender de terceiros.
É de se esperar que ele busque um bom convívio, que reconheça o sofrimento que possa estar causando à família com suas atitudes. “Do contrário e se provoca muitos prejuízos, sugere alguma questão patológica, que ele já tivesse algum transtorno anterior, de personalidade, talvez até algum grau de psicopatia”, complementa o geriatra, salientando que, em último caso, sem resolução e havendo brigas, o idoso pode acabar sozinho, o que irá prejudicá-lo.
Porventura, se provocar ou sofrer acidentes e for denunciado, as autoridades judiciárias poderão, por reconhecer seu desamparo e falta de cuidados médicos, acionar os parentes e determinar alguma medida cautelar. “A interdição nunca é a primeira alternativa, e serve somente para proteger o paciente e seus familiares de uma condição que pode ou não ser reversível. Facilita ainda a internação involuntária e mitiga problemas judiciais”, observa Rafael Rodrigues, psiquiatra e professor do Instituto Ipemed, da Afya Educacional.
Táticas que podem funcionar
Ficou claro que interdição compulsória só em último caso e com comprovação médica de que o idoso não pode responder por si. Agora, com aqueles em situação oposta, plenos e bem orientados, os familiares podem tentar estratégicas menos radicais e que podem gerar resultados positivos.
Com a palavra, Paulo Camiz, geriatra e professor de clínica geral do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo): “Na presença do médico, tenha uma conversa franca com esse idoso e dê a ele informações para que se convença a mudar de atitude. Por exemplo, se é um sujeito funcional, mas está com osteoporose, explique que se cair por descuido e sofrer algum dano, a vida dele vai mudar do dia para a noite e para pior. Conscientize-o de que depois de um ano, 30% dos idosos que fraturam o fêmur [osso da coxa e o mais longo e volumoso do corpo humano] morrem.”
Vale fazer alertas relacionados também a outras doenças, como hipertensão, diabetes e cirrose. É sempre melhor o convencimento de forma amistosa a respeito daquilo que pode fazer muito mal à saúde e, nesse sentido, com dificuldades para argumentar ou sozinho, mobilize pessoas íntimas ou próximas desse idoso (filhos, irmãos, netos, cônjuge, sobrinhos, amigos). O suporte de psicólogos e assistentes sociais também é bem-vindo e eles ajudam a mediar conflitos.
Problema pode estar nos filhos
A participação de especialistas nesse processo ainda serve para identificar se excessos estão sendo cometidos pelos filhos ou cuidadores mais jovens que o idoso. Em psicoterapia voltada para a terceira idade, se descobre como está a rotina familiar e social, os cuidados prestados, o emocional e psicológico dos indivíduos, que podem estar enfrentando dificuldades em expor o que sentem sobre perdas, desafios, descobertas e adaptações relacionados à velhice.
“Lido com muitos casos assim, em que a família relata que o idoso está lúcido, mas muito ‘indisciplinado’. Ora, se está rebelde, será que não é por que estão agindo de forma errada com ele? É necessário se colocar no lugar do idoso, que trabalhou a vida inteira, criou a todos com todo cuidado e esforço e agora é tratado como uma criança, porque os filhos acham que podem mandar nele”, informa Cláudia Messias, psicóloga do Hospital Geral de Palmas (TO). Outra psicóloga, Lara Rocha, da clínica Amar Mente e Corpo, de Salvador, e parceira da Central Nacional Unimed, cita que o envelhecimento não é uma doença e defende que o idoso seja ajudado a se “reencontrar” nessa fase.
“Que faça acompanhamento psicoterapêutico, mas também participe de grupos específicos para idosos e de apoio, além de atividades físicas e outras que para ele sejam importantes. Deve ser um processo feito com cuidado.” Messias finaliza que é preciso respeitar o repertório de vida dos mais velhos, assim como suas vontades, decisões e nunca criticar, acusar e ofender, mas agir com muita paciência, educação e amor.
“Se está enfrentando dificuldades, busque fazer algum tipo de barganha. Por exemplo: ‘Pai, se você fizer tal coisa hoje ou for ao médico, vamos naquele lugar que você tanto gosta? Eu te levo’. Desse jeito. Só não passa por essa fase quem acaba morrendo cedo.”
fonte Viva Bem / Uol